Na madrugada de todas as revelações...

Acreditei durante muito tempo que era preciso expulsar as palavras... que escrever era purgar... exorcizar. Era com essa missão que escrevia... como que num exercício de desintoxicação. Nem sei se escrevia por prazer... acho que antes por necessidade e sentido de dever. Como quem faz dieta! Parece-me agora que se escreve para dar forma, mais do que para cuspir e expelir... entre muitos outros motivos, no topo dos quais uma negligência auto-inflingida, acho que durante muito tempo não escrevi porque não tinha esta questão resolvida. Hoje, nesta madrugada de "todas" as revelações, percebi que no escrever se estende o que de longo e emaranhado não tem ordem possível nesse espaço limitado que nos permite o pré-cosnciente. E, assim, investi sobre a minha resistência e hesitação e dei melhor uso à demora destas horas. 

Junto a mim a minha fiel companheira... percebi hoje que talvez se prepare para partir e que esperava por mim... que estivesse finalmente disponível para fazer com ela este caminho. Pode ser que resista mais uma vez. Acredito, não sei se porque sou capaz ou porque preciso, que várias vezes voltou a agarrar a vida num acto de amor e pelo amor. Não estou certa de a compreender bem e temo enganar-me, mas parece-me mais tranquila do que das outras vezes. Feliz até. Há semanas que dorme na minha almofada, no local exacto onde deveria estar deitada a minha cabeça. Come pouco, muito pouco, apenas o que lhe apetece e quando lhe apetece... 

Talvez não estejamos ainda preparadas, percebo agora... e, por isso, sobre ela terei que, para já, ficar por aqui. Mas, não foi sobre a minha eterna gata que pensei escrever quando interrompi as minhas voltas em torno da inércia inquieta desta insónia...

Sobre tudo o resto terei contudo que optar pelos meandros das formas e conteúdos sugeridos... 

Hoje sei, mais do que nunca
que nada se faz nesta vida que valha a pena contar sem amor
Acredito que fiz o suficiente
para que às manhãs sucedessem mais do que as tardes e a estas as noites  


Mas o tempo não termina de suceder 

e a mudança é o que de mais inevitável traz a vida
e a vida, 
essa não tarda em acontecer

Não me perdoaria se nos mantivéssemos adormecidos 
suspensos para trás e para diante. Como todos.
Não permitirei que as palavras que nos caíram do bolso se percam 
Não permitirei que esqueçamos o caminho

Chegou o dia em que voltamos ao início
Faria mais se tal não nos impedisse de aqui voltar
Que seja este fim o meu início
Que seja o nosso fim o teu também

Sabemos de onde partimos um dia
há muito muito tempo atrás
E se é verdade que te entrei pelo olhar
peço-te que por lá me deixes ficar 

Porque assim serei feliz
mesmo que a andar como todos
para trás e para diante
mesmo que esquecendo o caminho
mesmo tendo espalhado palavras pela calçada

Escrevo-te com as palavras que me restavam no bolso
deixo-as cair num gesto de liberdade
Escrevo-te nas plantas dos pés
tranquila por pousá-los no chão

Nesta madrugada de todas as revelações 
despeço-me de ti
Desejo-te o melhor deste mundo...
Sempre

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