Prometo! Volta!

Há dias, semanas e, se pensar bem, há meses que esta imagem pede para ser transportada para a escrita… é recorrente no meu pensamento… não sei bem o que pretende ou para onde quer que a acompanhe… a não ser que insiste que lhe dê ouvidos e a deixe fluir… mas é tão misteriosa e promissora que temo começar. Temo não estar à altura de lhe fazer justiça, não a conseguir acompanhar para onde ela me quer levar pela mão. Sinto-a a tocar-me e puxar-me levemente mas com a persistência de quem está certa de que lá tenho que ir. Sinto-me injusta de há tanto a devotar à indiferença… até pouco cautelosa… esta imagem parece-me mais sábia que a força da minha resistência e por isso hoje vou segui-la… ainda que receosa, vou segui-la.

Abro os olhos de um sono não dormido mas que me afastou de tudo em volta, retorno de mente leve, virgem de pensamentos. Estou deitada… costas confortáveis num manto de folhas e vegetação rasteira de uma floresta… ou será um jardim? Tem o aroma de um jardim, tem o seu aprumo… mas a modéstia, silêncio e distância de uma floresta. Não é uma paisagem vaidosa mas humildemente bela. Mas já estou a adiantar-me um pouco...

Havia então acordado… Abro os olhos com a demora de quem não se apressa a acordar e passar a barreira do sono para a realidade… com a tranquilidade de quem vai continuar algures entre os dois mundos. É então que a revejo, à imagem… um mero céu recortado pela mancha das copas coloridas das árvores. Por alguns segundos entretenho-me deliciada com o céu ondulante desenhado pela dança dos ramos e folhas. Virgem de expectativas, ausente de tempo, despida de memória ali repouso e me deixo ficar… eis que sinto uma invasão delicada que não sei se vem de dentro, como se uma bolsa de tranquilidade cedesse, libertando os seus poderes teimosamente guardados e agora diluídos sem oferecer mais resistência. Ou virá a energia que me invade dos poderes mágicos do solo macio, da harmonia de sons silenciosos, dos aromas delicadamente inebriantes? Provavelmente combinaram este encontro secreto há muito… por isso teimavam em resgatar-me. Cheira a jasmim… ai como eu adoro jasmim! Cada som é ténue mas de repente tão claro… vou parando a cada um que encontro… ahhhh… as folhas dançantes na brisa… os misteriosos sons dos pequenos animais que pisam as folhas caídas no chão, os pequenos galhos… o bater das asas, o cantar dos pássaros… parece-me que eles se estão a aproximar até que em volta de mim param observadores e curiosos… não me incomodam para minha estranheza, tão zelosa que sou da minha distância protectora… antes sinto que me fazem companhia sem perturbarem o meu espaço… que partilhamos algo que é de todos sem deixar de ser meu. Ouço cada um na sua vez… os sons… cada um no seu tom… nunca demasiado longe nem demasiado alto… todos eles numa suavidade harmoniosa e envolvente. Até que já não mais os separo e se juntam numa melodia que me embala e aconchega, casados com o aroma a terra húmida, quente e fértil e o perfume do jasmim. Podia ali ficar … simplesmente permanecer… continuadamente permanecer… com o tempo assim… parado. Sei agora para onde me querias trazer? Desculpa ter-te resistido, mas era uma paz que não poderia supor existir…

Eis que acordo… de um sono não dormido. Porquê estes ruídos? Que estranhos e caóticos… e o cheiro a jasmim está a perder-se… o céu rasgado foge na distância do mistério… todo o corpo me dói… agarrei-me a cada objecto que encontrei por onde quer que passei no retorno … Também a cabeça me pesa… e o peito, esse também me dói… é o vazio rugoso e rijo da perda. O meu corpo assente no sofá, outrora fofo, está dorido da queda na sua dureza… é a realidade que me rouba à tranquilidade… possessiva e invejosa. Volta imagem… preciso de ti! Soubesse eu para onde me levavas e não teria resistido tanto tempo… mesmo sendo o retorno doloroso irei contigo quantas vezes me quiseres resgatar... Prometo! Volta!