Não sejam cavalheiros... Sejam só homens


Já não é dia da Mulher... há 3h e 17 minutos que já não é dia da Mulher... As minhas tarefas só terminaram agora e, por isso, cheguei tarde demais para esta celebração... 

Bom, fiz um álbum com fotos das "mulheres da minha vida"...?! Mas para que serve isso afinal?! Nem dei os parabéns a nenhuma delas, nem eu os recebi.. Cruzei-me com uma boa parte das "minhas mulheres" e nem falamos do assunto... Deve ser porque somos muito modernas, ou porque somos umas princesas ingratas que desconhecem a luta das mulheres que nos precederam e das que vivem outras realidades não privilegiadas como as nossas que nem precisamos de pensar nisso... Se calhar eu e as "mulheres da minha vida" somos contra o feminismo porque isso é para mulheres que no fundo são masculinas e o que gostavam era de ter nascido homens... Ou para aquelas que preferiam que os homens não existissem, porque lhes têm uma raiva freudiana pela submissão que lhes devem como objecto de desejo e pela dependência para a concretização dos desígnios reprodutivos... Se calhar eu e as "mulheres da minha vida" somos, pelo contrário, tão feministas que até rejeitamos o dia da Mulher porque assina-la afinal uma diferença artificial e que não devia existir.


Tudo o que acabei de dizer, sendo absurdo, não anda muito longe do que passou hoje por algumas das cabeças daquel@s que questionam a utilidade do dia da Mulher, que o acham até ultrapassado e obsoleto... injusto porque não há o dos homens ou um mero folclore cultural e comercial para que se vendam mais umas flores e se possam bajular as mulheres "da vida de cada um" com uns piropos moderno-cavalheirescos. A prova disto são algumas das barbaridades que fui lendo pelo Facebook, essa montra reluzente e traslúcida da "doçaria típica" de qualquer festival do preconceito e da estereotipia... E isto, entre outras razões mais válidas, só prova que o dia da Mulher deve existir, sim! 


E se deve existir é para muito mais do que para celebrar e elogiar as mulheres... Antes este dia serve para nos relembrar todas as circunstâncias passadas e outras tantas ACTUAIS em que mulheres não tiveram/têm os mesmos direitos que os homens... para nos lembrar que as mulheres estão mais vulneráveis ao desemprego, até porque têm esta mania muito feminina de ter filhos (e depois ainda querem ser iguais), que ainda hoje se desdobram entre as tarefas profissionais, domésticas e familiares, o cuidar d@s filh@s, dos pais (seus e às vezes dos companheiros)... que com frequência ganham menos... que, proporcionalmente e salvo áreas de excepção, assumem menos cargos superiores e que quando o fazem se vêem escravas da monitorização de um desempenho à prova de qualquer crítica que possa justificar que se assinale que "afinal é mulher"... que ouvem sistematicamente piropos que as tentam reduzir a um objecto sexual e que recebem olhares que as despem em plena rua... 


Podia continuar a madrugada toda... mas não consigo... já não consigo pregar este testamento... Não este, não hoje... Não sobre o que é tão óbvio. Deixem-me apenas dizer que no ano que passou "sofri" na primeira pessoa pela condição de ser mulher... que a minha "independência" e o tempo e valor que atribuí/o ao trabalho e ao activismo comprometeu/e e, nalguns casos levou até à ruptura de algumas relações para mim fundamentais e que impediu que outras se iniciassem ou mantivessem. Já agora, que fui questionada e ridicularizada na minha capacidade de educar o meu cão porque afinal é de porte médio e de "temperamento dominante"... que várias vezes dei por mim a ponderar as minhas atitudes românticas preocupando-me com o seu impacto no ainda tradicionalista ego masculino e na moral/idade machista. Mas, nada disto são problemas sérios... isto são meros incómodos. A verdade e o que sobre ontem (dia Internacional da mulher) importa é, não nos esqueçamos, que há ainda um número vergonhoso de mulheres que enfrentam problemas maiores e muito mais sérios... que são violadas, espancadas, escravizadas, vendidas, humilhadas, rejeitadas, (...).


Sem que nos esqueçamos disto, assumamos também que como estes pequenos e ridículos exemplos pessoais sobre o meu último ano (para simplificar) há tantos outros, nos nossos quotidianos modernos e ocidentais, que são sintomas resistentes e crónicos de uma sociedade preconceituosa, desigual e que, mais que patriarcal, é sexista e machista. Percebam então que eu e as "mulheres da minha vida" não queremos flores, nem que celebrem a nossa particular beleza e sensibilidade... ou a forma como a nossa coragem, inteligência e teimosia supera a nossa fragilidade... E não, não queremos homens cavalheiros!! E sim, isso é realmente uma questão de "educação" mas não de "ser educado". Queremos homens e já agora mulheres, gentis, sensíveis e just@s. Porque a "boa educação" é aquela que permite ouvir a opinião de uma mulher e considerá-la, concordando ou discordando, sem a fazer seguir de uma piada condescendente e/ou sexista. É aguentar, encorajá-la e apoiá-la quando ela escolher ou se vir obrigada a investir (de)mais na sua "carreira". 


Não queremos homens cavalheiros, não queremos homens "amigos" que ajudam nas tarefas de casa e com @s filh@s... não, não queremos ser princesas! Queremos cooperação e união, queremos companheiros de luta... Queremos igualdade de direitos!! Tanto quanto diversidade... nos papéis e projectos femininos, masculinos, andróginos, de pai, de mãe, profissionais, sobre o que significa ser pessoa, nos projectos da vida... E não há outro caminho para a difícil tarefa de superação da nossa frágil condição como mer@s human@s! Para isso não sejam cavalheiros, sejam homens e deixem-nos ser mulheres...

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