A memória e uns pozinhos




A ver se dou seguimento a uma tarde de trabalho sossegada... Muitas vezes me perguntam porque sou activista... Parece uma pergunta simples e inocente... É aliás uma pergunta muito legítima e que, tantas vezes, também eu coloco a mim própria... para ela fui e vou ainda encontrando várias respostas diferentes... Mas que eu me coloque a questão, pelas consequências que isto traz à minha vida, desde logo pela extensa antipatia (tantas vezes disfarçada) de tantxs que me rodeiam, pela perda de relações e, acima de tudo, pelo prejuízo que isto traz ao meu bem-estar e, infelizmente às vezes, pelo tempo em que me rouba para aquelxs que me rodeiam e me importam... que eu me coloque esta questão, até quando questiono se é este o meu lugar... tudo isto é legítimo e é a utilidade que tento retirar da maior parte das vezes em que me interpelam com esta questão. Enfim, que eu me coloque estas questões, parece-me parte saudável do processo. Mas, cada vez mais, me parece evidente que algumas das pessoas que me colocam esta questão estão no fundo a questionar a necessidade do activismo sequer existir, a sua utilidade, se não é contraproducente... Fazem-no às vezes de forma mais explicita e assumida (pelo menos isso), outras mais dissimulada. E a questão da necessidade, utilidade e (contra/producência) é (e não é) outra questão... Mas, já agora e sucintamente, desde logo é a minha escolha (mas lá chegarei) e eu estou convicta de que o activismo é imensamente necessário e de que não, não é contraproducente! E achar que é, parece-me um misto de ingenuidade, passividade e de distorção, que banaliza o “mal” e iliba quem o pratica, culpando quem o tenta combater.

Há ainda outras pessoas que questionam porque o faço EU... na posição em que estou, com os custos que tem e já teve… insinuando, tantas vezes, estranheza por isso não constituir para mim embaraço… fazer todo este estradalhaço... e depois isto "foi sempre assim e há de continuar a ser, são ciclos, é a condição humana (…) e afinal não é bem, não parece bem (...) algum decoro e discrição fica sempre bem e, em particular, a uma mulher"… E é por isto, precisamente por isto, que o sou. Estes são só alguns dos imensos motivos pelos quais eu sou, escolho sê-lo, ou tento ser activista. E o que eu que pedia era que quando me colocam estas questões, ou a outras pessoas que fazem o “estardalhaço” que eu faço (ou mais ainda, ou menos, n importa), sob pena de não caberem na posição discreta que acham que devem ocupar, se perguntassem: porque vos incomoda isto que vêem como algo embaraçoso ou arrogante ou ridículo ou excessivo?? Não será isso um resquício do “lapís azul” e dos tempos do Estado Novo, em que vigoravam "bons costumes", e que ainda não fomos capazes de purgar…?? Não será isto uma forma de prescrever às mulheres (activistas e não só) um papel de género por vocês desenhado ou pelo menos decalcado? Não será consequência de um incómodo pela antecipação das mudanças que o nosso estardalhaço implica e dos privilégios que isso vos pode e a todxs custar?

Eu sou activista porque POSSO!! Porque tenho esse privilégio!! Há quem o seja por necessidade. E, frente a esses sim, eu sinto às vezes quase embaraço em me assumir activista. Porque eu o pude escolher, no exercício do meu privilégio e da minha liberdade. Negrxs, ciganxs, outras pessoas racializadas, pessoas LGBTI, outras minorias e vítimas de discriminação e exclusão social são activistas TODOS OS DIAS!!! Quando vão para a escola, quando vão trabalhar, quando não trabalham, quando não vão à escola, quando andam na rua… São-o porque não têm escolha. Nós temos! Eu tenho! E esta é a minha escolha. Sou activista, e assumo-o juntamente com toda sensação de arrogância e vergonha (alheia) que vos possa provocar!! E continuarei a ser e tenho pena de ser menos vezes, de forma menos eficaz e até menos saudável do que poderia. 

Ocupo uma posição de privilégio e daqui decorrem responsabilidades!! Sou psicóloga, recebo no meu consultório pessoas em posição de vulnerabilidade, estou na rua, tantas vezes quantas posso, com pessoas em situação de ainda maior vulnerabilidade. Sou ainda docente universitária, formo cidadãos e cidadãs, tenho a responsabilidade de promover junto destxs as ferramentas que lhes permitam a flexibilidade intelectual, a empatia e a alteridade que hão de garantir que no seu trabalho farão por construir e capacitar outrxs, para que colectivamente sejamos capazes de garantir os direitos, liberdade, evolução, adaptação, auto-determinação, bem-estar e felicidade de outrxs e todxs os seres humanos (e já agora não humanos)!! Serei activista enquanto puder!! Não moralizo a escolha de quem não é! Não moralizem a nossa! Continuar a colocar-me esta questão, de se devo ou não continuar a ser activista, cabe-me a mim e, vá lá, à minha psicoterapeuta! Ah... e eu sei que também não é sexy, mas ser sexy nunca esteve entre as minhas pretensões e, ainda menos, entre as minhas aspirações...

@JC | 14Jan19


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